4 de ago. de 2021

Christian Dior Eau Noire - Avaliação do Perfume


É interessante observar de maneira retroativa como a perfumaria exclusiva e de nicho se desenvolveu em um período tão curto de tempo. Basta voltar para 2004 e ver que nesse período as marcas comerciais estavam no início da descoberta de como explorar uma perfumaria mais artística e conceitual dentro de uma segmentação mais exclusiva. O objetivo nesse momento não era o luxo em si ou o status, e sim a criação artística sem as pressões da perfumaria comercial.

Nesse contexto é que surge a 17 anos atrás na Dior um Trio de Colognes que ao longo dos anos se tornaria a cobiçada e luxuosa Collection Privee. Conceitualizado pelo estilista Heidi Slimane tais Colognes olhavam para o passado da perfumaria ao mesmo tempo que refletiam a essência do estilista e sua palheta de cores. Cologne Blanche representava o cítrico clássico e a cor Branca, Bois d'Argent trazia o elegante aroma da iris e das resinas para representar o prateado e Eau Noire fazia o papel da Colônia negra e densa da coleção.

Muitos anos depois e o que começou como um trio de fragrâncias se transformou aos poucos em algo muito maior, mais cheio de opções e muito mais luxuoso do que era inicialmente. Cologne Blanche infelizmente foi descontinuado e Bois d'Argent se tornaria um dos maiores sucessos dentro da coleção. Eau Noire parecia predestinado a cumprir seu destino de mistério, tornando-se um perfume raro dentro da coleção, disponível apenas no site da marca.

Consta no Fragrantica que a história por trás de Eau Noire é a de que Heidi Slimane desejava criar uma lavanda clássica para si. O estilista seria apaixonado pelo clássico Caron Pour Un Homme e teria escolhido a dedo o perfumista Francis Kurkdjian, ainda novo em sua carreira e famoso por sua clássica lavanda retrô, o perfume Le Male.

O Resultado em Eau Noire é uma lavanda mais do que clássica, é uma que ousa trazer o lado negro da lavanda, representando uma sensualidade atemporal, bruta e muito misteriosa. Francis Kurkdjian parece ter se guiado pela exploração de essências clássicas mediterrâneas e ter acrescentado um toque de misterio e sensualidade ao que talvez seja um de seus perfumes mais complexos.

Eu diria que se Le Male representasse um ator sensual e sóbrio, Eau Noire seria o lado mais obscuro e sexy de tal ator. Eu vejo essa polaridade e minha mente me faz pensar em Marlon Brando. Há algo clássico aqui, misterioso, sedutor e envolvente, algo que não é necessariamente popular mas que tem um grande magnetismo e um certo ar de perigo.

O perfume abre com o aroma fresco e levemente herbal do tomilho e da sálvia, ervas clássicas da culinária mediterrânea. Tais ervas possuem um aspecto levemente defumado que será melhor explorado conforme a fragrância evolui. Aqui temos provavelmente o uso do absoluto de lavanda permitindo explorar o lado fresco, caramelado, canforado e torrado da lavanda. Quem já pegou um raminho seco de lavanda e o deixou em uma gaveta perceberá aqui essas nuances.

O jogo de contrastes é feito pela própria lavanda, sendo ancorada em outras notas. O Café traz o aspecto negro e torrado ao passo que o açafrão já introduz uma sutil temática de couro que virá mais adiante. A Sempre-viva confere um exotismo com seu aroma caramelado, torrado e que remete a madeira seca.

Na base Eau Noire mantém esse jogo negro de magia e sedução. O alcaçuz é acrescentado a sinfonia para manter um toque fresco de anis e a baunilha traz uma doçura cremosa e aconchegante que harmoniza bem com a lavanda. O couro acrescenta uma certa brutalidade, um aspecto mais denso e intenso. A violeta serve para suavizar as facetas mais intensas da última fase, como se sugerisse um discreto toque suave à composição. A faceta de grama fecha a ideia com uma toque clássico. Eau Noire é um perfume cheio de nuances, sensual e desafiador em sua sensualidade. A face obscura que dá volume, densidade e complexidade a temática atemporal da Lavanda. É um perfume para poucos, mas certamente amado pelos que conseguem entender seus segredos.