Essa é uma memória
olfativa sem uma foto específica para ela. E também não é uma memória olfativa
de um grande momento de minha vida, nem de um amigo querido ou pessoa
importante na minha jornada. Mas ela representa algo que muitas vezes perdi ao
longo desses anos e que é extremamente valioso: a alegria pura e simples que
podemos sentir nos pequenos prazeres da vida.
No meu caso, essa alegria vem da misteriosa
felicidade líquida existente dentro dos frascos de perfumes. Dos perfumes onde
menos esperamos, nos momentos onde menos esperamos. Como é o caso de Desire
Red, de Alfred Dunhill. O conheci em torno dos meus 19-20 anos, quando estava
na faculdade e tinha começado o meu primeiro estágio. Recebi uma amostra
generosa de um amigo e um dia ao sair do estágio resolvi aplicar ele na pele e
sentir seu cheiro enquanto caminhava em direção à estação.
E me lembro até hoje de quão agradável era esse
aroma que em vez de me despertar o lado carnal me fez sentir um júbilo
quotidiano inesperado. Um frescor frutal alegre, um pouquinho de flores, uma
maciez amadeirada gourmand. Um aroma do qual especulo as nuances mas que me
lembro mesmo como ensolarado, agradável e feliz. Uma felicidade simples
presente num momento corriqueiro e que ficaria como uma memória olfativa
preciosa para mim até hoje. Uma memória olfativa sem muitas palavras, sem
muitas nuances, mas com um sentimento tão intenso que sou capaz de revive-lo ao
pensar nele.
Momentos assim simplesmente surgem, quando menos
esperamos, nos locais (e frascos) onde sequer imaginaríamos. De fato são
momentos cobiçados, mas que podem até mesmo passar batidos quando não estamos
mais presentes para apreciar o que temos no momento presente. Os melhores
perfumes não estão, como diriam, nos menores frascos, e sim nos momentos onde
somos capazes de aproveitá-los de maneira pura e simples. Mesmo que seja no
final de um dia de trabalho indo para a estação de trem a caminho da faculdade.
