Há alguns perfumes dos quais eu sempre tive dificuldade de escrever. Isso não acontece por eu não ter uma conexão com eles ou não ser capaz de entendê-los. Mas tais perfumes são monumentos dos quais eu me sinto pequeno e pouco capaz de traduzir em palavras a importância e beleza que eles possuem. São perfumes especiais e ainda que não sejam conhecidos do grande público são obras de arte das quais somos privilegiados de termos acesso.
Um desses perfumes está associado a uma memória olfativa que eu também acreditava ser difícil de escrever. Mas que para a minha alegria eu posso retratá-la dado que ela representa um momento pivotal da minha vida também, uma grande influência tanto quanto a obra de arte que é o L'Heure Bleue. Esse é um dos perfumes favoritos da minha amiga Simone Shitrit, uma amizade que eu recentemente tive a alegria e sorte de poder reconectar, o tipo de alegria que sentimos quando somos capazes de reencontrar um perfume raro que amamos muito.
A Simone entrou na minha vida bem no começo da minha jornada da perfumaria, em um tempo onde eu dava meus primeiros passos para pensar em trabalhar com perfumaria e escrever sobre o assunto. Um dia descobri seu blog e fiquei encantado com o nível do conteúdo - um olhar artístico, profundo e complexo que poucas pessoas são capazes de demonstrar em português. Na época resolvi me arriscar e mandei um email para a Simone elogiando seu trabalho e perguntando mais sobre como seria possível seguir o caminho da perfumaria como profissão. E o que surgiu disso foi uma amizade que eu nunca imaginaria que brotaria. Uma amizade inclusive muito intensa e que me transformou para sempre.
Eu via a perfumaria a partir do meu limitado mundo de um rapaz jovem e com pouca experiência de vida. A Simone me trouxe um olhar diferente, mais sábio, artístico e intenso. Eu diria que eu sempre fui esforçado e consegui me desenvolver pelo esforço mas minha amiga tem esse talento artístico que é simplesmente natural a ela e é uma das coisas que eu sempre admirei. A Simone abriu meus horizontes e indiretamente me influenciou inclusive nas minhas preferências olfativas - uma vez ela me aconselhou a que eu passasse a avaliar e escrever sobre todos os tipos de perfumes, inclusive das famílias olfativas que eu não gostava. E isso me levou a descobrir um amor pelas flores brancas, das quais eu tinha uma certa repulsa no passado.
Eu admiro a Simone da mesma maneira que admiro o L'Heure Bleue - ambos são únicos, artísticos e multifacetados. As pessoas são como os perfumes, algumas te trazem uma certa sofisticação clássica que é inesquecível e que te demanda tempo para ser apreciado e entendido em toda a sua beleza. São perfumes e pessoas que muitas vezes um rapaz jovem é incapaz de entender em seus detalhes mas que o tempo e a maturidade certamente ajudam.
