31 de mai. de 2023

Bortnikoff Santa Sangre - English Review

The last decade within artistic, niche and exclusive perfumery was marked by a very clear and certainly oriented transformation due to competition and demand. Artistic creation in perfumery began to be guided by the artifice of false rarity/scarcity and by the need for high performance. What is said takes a backseat as long as the olfactory words sound sophisticated and the volume is high enough.

That's why Santa Sangre stands out to me as something genuinely exclusive and rich, aiming above all at the symbolic and olfactory message it builds. Rajesh Balkrishnan and Dmitry Bortnikoff are not just combining rare and exotic materials, there is a sacred reverence and inspiration, a desire to bring perfumery back into connection with the divine and the sacred, to transport us into the spiritual through our sense of smell. 

No wonder the lotus flower is a major protagonist here, with its symbolism meaning the purity of body and mind and rebirth. In Santa Sangre there is an airy quality, as if the elements were orchestrated with the utmost care and reverence so that this purity, delicacy and lightness of the flower were transported into the perfume.

In a structure that sounds classic, Santa Sangre opens with a bright, juicy and vibrant citrus of pink grapefruit combined with a more floral and sweet touch, a cheerful creaminess of vanilla flower and the refined sensuality of Indian sambac jasmine, adding a touch fruity on the way out.

In the body, the lotus flower blooms and shines, being adorned by the joyful sweetness of the flowers that precede it, but bringing its delicate floral aroma, slightly almondy and serene to the composition. It brings a sense of calm and lightness that is extended by the precious sandalwoods of the base, continuing the spiritual connection that is conveyed by the composition. A soft aroma of resinous and sweet incense permeates this moment of relaxation and serenity by the combination of benzoin with dragon's blood incense. It is an ethereal and delicate final phase typical of the best existing quality of Indian sandalwood. Santa Sangre always flows with delicacy, serenity and with the use of quality with a purpose and not mere ostentation, something very rare in current perfumery.

Bortnikoff Santa Sangre - Avaliação (Português)

 


A última década dentro da perfumaria artística, de nicho e exclusiva foi marcada por uma transformação muito clara e certamente orientada dado à competição e à demanda. A criação artística na perfumaria passou a ser guiada pelo artifício da falsa raridade/escassez e pela necessidade de alta performance. O que é dito fica em segundo plano desde que as palavras olfativas pareçam sofisticadas e o volume seja alto o suficiente.

É por isso que Santa Sangre se destaca para mim como algo genuínamente exclusivo e rico ao mirar acima de tudo a mensagem simbólica e olfativa construída. Rajesh Balkrishnan e Dmitry Bortnikoff não estão apenas combinam materiais raros e exóticos, há uma reverência e uma inspiração sagrada, um desejo de levar a perfumaria de volta à conexão com o divino e o sagrado, de nos transportar para o espiritual por meio do nosso olfato.

Não à toa a flor de lótus é um grande protagonista aqui, com seu simbolismo significando a pureza do corpo e da mente e o renascimento. Em Santa Sangre há uma qualidade aérea, como se os elementos fossem orquestrados com o máximo de cuidado e reverência para que essa pureza, delicadeza e leveza da flor fossem transportadas para dentro do perfume.

Em uma estrutura que soa clássica, Santa Sangre abre com um nítido cítrico alegre, suculento e vibrante da toranja rosa combinado com um toque mais floral e adocicado, uma cremosidade alegre da flor de baunilha e a sensualidade refinada do jasmim sambac indiano, acrescentando um toque frutado à saída.

No corpo a flor de lótus desabrocha e brilha, sendo adornada pela doçura alegre das flores que a antecedem mas trazendo seu aroma floral delicado, levemente amendoado e sereno à composição. Ela traz uma sensação de calma e leveza que estendida pelos preciosos sândalos da base, continuando a conexão espiritual que é transmitida pela composição. Um suave aroma de incenso resinoso e adocicado permeia esse momento de relaxamento e serenidade pela combinação do benjoim com o incenso dragon’s blood. É uma fase final etérea e delicada típica da melhor qualidade existente de sândalo indiano. Santa Sangre flui sempre com delicadeza, serenidade e com o uso da qualidade com um propósito e não uma mera ostentação, algo bem raro na perfumaria atual.

 

5 de abr. de 2023

Memória Olfativa - Mancera Lemon Line

 


Quando vejo que lancei meu canal de youtube em maio de 2021 me dou conta de quanto eu cresci e evoluí num período tão curto de tempo. Foi um processo acelerado de transformação, como um perfume posto em condições extremas para avaliar sua estabilidade, resistência e capacidade de envelhecer/maturar.

Fazer vídeos foi algo do qual eu evitei durante muitos anos, mesmo que as pessoas me pedissem. Eu tinha prazer em escrever e me expressar por palavras porém me sentia inseguro para expor minha pessoa em vídeo e falar. Temia ser ridicularizado e fracassar,

Entretanto a pandemia e o lockdown trouxeram mudanças a todos e no meu caso eu tive 4 episódios sérios de crise de pânico onde eu ficava com a língua travada e impossibilitado de falar durante 4 horas ou mais. Ter passado por isso me assustou, eu me senti de repente preso dentro de mim mesmo e incapaz de me comunicar. E isso despertou um desejo de me arriscar a fazer vídeos e falar. Mesmo que fosse do meu jeito, para um público pequeno. Eu precisava falar, eu não queria nunca mais sentir o que eu senti ao me perceber preso dentro de mim.

Eu resgato o Mancera Lemon Line como um perfume que marcou esse início justamente por ser uma fragrância da qual eu nunca imaginava gostar e que me surpreendeu e me fez até mesmo rever meu posicionamento sobre a Mancera. Eu usei o Lemon Line em um dos exames de ressonância magnética que eu fiz para ver se tinha algo errado com o meu cérebro naquele momento assustador pelo qual eu passei. E naquele dia eu recebi um elogio muito sincero da moça que fez o meu exame e isso foi algo inusitado num momento difícil da minha vida e que ficou registrado.

Sentir Lemon Line de novo me fez lembrar um dos motivos pelos quais já fazem 18-19 anos que eu vivo a perfumaria de maneira intensa. Nos meus momentos mais difíceis, mais dolorosos e mais assustadores eu sempre encontrei na perfumaria forças para seguir em frente, para me reinventar e para dar conta do que eu precisava passar. É um presente que me foi dado por Deus para seguir o caminho que preciso seguir.

Memória Olfativa - Luciana Mattos e Mahogany Bergamota & Verbena

 


Ao longo dos anos eu aprendi que a perfumaria vai muito além das memórias olfativas e conexões que fazemos com essas memórias. Ela também é capaz de criar laços afetivos inesperados com pessoas que compartilham a mesma paixão e muitas vezes os mesmos desafios que nós.

Em 2021 graças a ajuda do meu amigo Gustavo Moacir e da minha amiga Renata Ashcar eu tive a oportunidade de conhecer a linha completa de fragrâncias de nicho da Mahogany. Todos me surpreenderam com sua qualidade olfativa e coerência artística e um dos que mais me agradou foi o cítrico agradável e delicadamente doce do Verbena e Bergamota.

Por conta desse perfume tive a chance de conhecer a Luciana Mattos, que faz um belo trabalho independente em seu insta Diario de Perfumes. A Luciana entrou em contato comigo devido a minha avaliação do Verbena e Bergamota, me falando que eu tinha ajudado ela a entender melhor um perfume que a remetia a um momento muito precioso de sua vida. E isso abriu portas para uma bela amizade que se iniciaria.

Conhecendo e conversando mais com a minha nova amiga e tendo a chance de fazer uma live com ela pude ver que para nós dois a perfumaria entrou em momentos críticos da nossa vida, nos ajudando a passar por fases sombrias com mais leveza. Vi e continuo a ver minha amiga desabrochar, buscar se desenvolver e oferecer cada vez mais conteúdo de maneira profissional e autêntica. E vi também uma amizade genuína, leve e pura, uma que nasceu com admiração e se transformou com amor e carinho. E é uma amizade que tem se mantido leve, alegre e com a mesma qualidade do perfume que a iniciou.


Memória Olfativa - Alessandra Tucci e Un Jardin Sur Le Nil

 


A perfumaria é uma arte que durante as últimas décadas foi dominada pelo público masculino. As mulheres, porém, sempre foram uma parte essencial desse universo e pouco a pouco elas foram e continuam conquistando seu lugar de destaque no mundo da perfumaria. Eu posso dizer que sou um homem privilegiado pois sempre fui abençoado e inspirado pelo feminino. As mulheres fazem parte do meu crescimento e ao longo dos meus anos eu pude conhecer e interagir com várias que me ajudaram a crescer e a enxergar o mundo de outra maneira.

Uma dessas mulheres que tocou a minha história e a transformou para sempre foi a Alessandra Tucci. Foi um dos primeiros contatos que eu tive com alguém da indústria em uma palestra que aconteceu na Universidade Santa Marcelina. Nesse dia eu me senti um fã diante de uma estrela, alguém que vivia uma realidade que para mim era apenas um sonho distante. A primeira impressão que eu tive da Alessandra é a que permanece até hoje: uma mulher de uma elegância, refinamento e talento. Talvez um pouco inalcançável para mim mas nunca uma pessoa que se mostrou arrogante, pelo contrário, sempre uma pessoa com muita simpatia.

Depois de conhecer a Alessandra eu resolvi fazer a formação de perfumaria de sua escola olfativa, a Paralela. Durante o ano de 2016 eu tinha encontros às sextas e sábados todo mês e esses eram os melhores encontros do ano. O ano de 2016 foi para mim um ano de ansiedade e estress no meu trabalho mas eu tinha esse porto seguro de tempos em tempos onde eu podia viver a perfumaria e aprender mais sobre ela por perspectivas que eu não teria sido capaz de aprender sozinho.

Uma das nossas últimas aulas envolvia uma visita à Natura. E para esse dia a Alê estava irradiando um perfume que ao mesmo tempo que era perceptível não era intenso demais. Nossa turma perguntou para ela qual era o perfume e nesse dia ela revelou que estava usando o Un Jardin Sur Le Nil. Desde então associo o seu cheiro tanto à essa época tão boa da minha vida como à essa talentosa e elegante mulher que conheci. Assim com o Un Jardin Sur Le Nil a presença da Alê é sempre perceptível mas com uma elegância, sofisticação e brilho que ainda que seja natural é fruto de muito trabalho e dedicação. Obrigado Alê por ter sido uma parte importante e de tão boas memórias na minha jornada olfativa.


Memória Olfativa - O cheiro da Morte

 


The Smell of Death - Edvard Mvnch, 1895

Essa talvez seja uma das minhas memórias olfativas mais difíceis de serem escritas por não envolver nem a associação com uma pessoa ou um perfume em si. Mas ao longo dos meus anos e das minhas experiências eu percebi que indiretamente a Morte possuí uma memória olfativa marcada em minha vida e não é uma memória olfativa que me perturba, ainda que seja talvez uma das mais intensas que eu tenho. E eu sinto que preciso falar sobre ela por mais difícil que seja fazer isso.

Desde criança tenho lembranças de ir a velórios. Sejam eles de parentes distantes da família, de membros da Igreja onde meu pai foi pastor e no fim de pessoas queridas da minha própria família. Os velórios sempre nos obrigam a lidar com a morte e com existência efêmera da vida. É um momento difícil visto que não somos preparados para a descontinuidade e mudança e nos apegamos fortemente a tudo que nós podemos nos apegar. Mas principalmente nos apegamos às pessoas que amamos e que muitas vezes se vão de uma maneira tão inesperada e brusca.

No dia do velório e enterro do meu pai eu decidi que seria um dos poucos dias que eu não usaria perfume em minha vida. Eu não queria ter nenhum cheiro associado a esse momento e que disparasse memórias posteriormente. Mas mesmo assim elas se criaram de um dia tão triste e que foi um momento tão profundo de transformação na minha vida. Eu me lembro até hoje do aroma quente e úmido do ambiente, pequeno para a quantidade de pessoas que estavam presentes. E me lembro do forte cheiro de flores das várias coroas que foram encomendadas pelas pessoas que tinham tanto amor e carinho pelo meu pai. Olhando retrospectivamente vejo que é impossível não associar nenhum cheiro a um momento desses devido a presença das flores, uma tradição em praticamente todas as culturas.

Quando eu penso nessa memória me vem uma carta do Tarot pois a carta da morte fala justamente sobre a renovação e transformação e sobre a questão do como nós  relutamos para isso e fugimos o máximo que podemos. É uma das cartas mais complexas no simbolismo, mas que contém também as flores associadas a sua mensagem. Nas representações mais clássicas vemos a rosa branca estampada em uma bandeira que é carregada pela morte. Tal rosa significa beleza, purificação e imortalidade e pode ser vista na primeira carta que marca o início dos arcanos maiores do Tarot. As flores e o perfume carregam fortemente o simbolismo dos começos e fins, da renovação e da transformação que marcam a morte e a vida.

Perfumar-se está envolvido com esse processo. As próprias flores precisam morrer e passar por um processo de extração de sua essência, uma renovação e transformação para que ganhem vida em belos perfumes que irão marcar nossas vidas e nossas memórias. A existência das flores é efêmera e intensa, porém não é vazia de significado e não é a toa que elas estão muitas vezes no coração e na alma de diversos perfumes. As flores desabrocham, exalam intensamente seu aroma, rendem frutos ao continuar a espécie e renovam-se, morrendo e abrindo espaço ou então sendo colhidas e imortalizadas em aromas.

Os perfumes nos lembram justamente de como a vida é um ato misterioso de começos e fins e de continua transformação. E como nas cartas que representam a morte, nós podemos nos apegar e resistir a esse processo, tentando pará-lo em vão, ou nos rendermos a ele e ver a beleza e profundidade que há nele mesmo que isso possa nos assustar. No fim das contas, perfumar-se é um ato tanto de vida e de morte e um ato de entrega a esse processo de renovação que nós até tentamos adiar mas do qual não temos nenhum controle.


Memória Olfativa - Simone Shitrit e Guerlain L'Heure Bleue

 


Há alguns perfumes dos quais eu sempre tive dificuldade de escrever. Isso não acontece por eu não ter uma conexão com eles ou não ser capaz de entendê-los. Mas tais perfumes são monumentos dos quais eu me sinto pequeno e pouco capaz de traduzir em palavras a importância e beleza que eles possuem. São perfumes especiais e ainda que não sejam conhecidos do grande público são obras de arte das quais somos privilegiados de termos acesso.

Um desses perfumes está associado a uma memória olfativa que eu também acreditava ser difícil de escrever. Mas que para a minha alegria eu posso retratá-la dado que ela representa um momento pivotal da minha vida também, uma grande influência tanto quanto a obra de arte que é o L'Heure Bleue. Esse é um dos perfumes favoritos da minha amiga Simone Shitrit, uma amizade que eu recentemente tive a alegria e sorte de poder reconectar, o tipo de alegria que sentimos quando somos capazes de reencontrar um perfume raro que amamos muito.

A Simone entrou na minha vida bem no começo da minha jornada da perfumaria, em um tempo onde eu dava meus primeiros passos para pensar em trabalhar com perfumaria e escrever sobre o assunto. Um dia descobri seu blog e fiquei encantado com o nível do conteúdo - um olhar artístico, profundo e complexo que poucas pessoas são capazes de demonstrar em português. Na época resolvi me arriscar e mandei um email para a Simone elogiando seu trabalho e perguntando mais sobre como seria possível seguir o caminho da perfumaria como profissão. E o que surgiu disso foi uma amizade que eu nunca imaginaria que brotaria. Uma amizade inclusive muito intensa e que me transformou para sempre.

Eu via a perfumaria a partir do meu limitado mundo de um rapaz jovem e com pouca experiência de vida. A Simone me trouxe um olhar diferente, mais sábio, artístico e intenso. Eu diria que eu sempre fui esforçado e consegui me desenvolver pelo esforço mas minha amiga tem esse talento artístico que é simplesmente natural a ela e é uma das coisas que eu sempre admirei. A Simone abriu meus horizontes e indiretamente me influenciou inclusive nas minhas preferências olfativas - uma vez ela me aconselhou a que eu passasse a avaliar e escrever sobre todos os tipos de perfumes, inclusive das famílias olfativas que eu não gostava. E isso me levou a descobrir um amor pelas flores brancas, das quais eu tinha uma certa repulsa no passado.

Eu admiro a Simone da mesma maneira que admiro o L'Heure Bleue - ambos são únicos, artísticos e multifacetados. As pessoas são como os perfumes, algumas te trazem uma certa sofisticação clássica que é inesquecível e que te demanda tempo para ser apreciado e entendido em toda a sua beleza. São perfumes e pessoas que muitas vezes um rapaz jovem é incapaz de entender em seus detalhes mas que o tempo e a maturidade certamente ajudam.


Memória Olfativa - Fábio Navarro e Natura Due

 


O perfume Natura Due marcou uma época muito importante da minha vida. Eu ganhei ele de presente de aniversário de uma tia muito querida no momento que começava a explorar a perfumaria e formar o que seria o início da minha coleção e da minha paixão. Olhando em retrospecto seu aroma não era exatamente o estilo de um garoto de 15 anos mas eu me apaixonei por seu cheiro elegante, por seu frasco sofisticado e sua fragrância versátil o suficiente para ser utilizada tanto para ir para a Igreja (que era minha vida social) como para ir para a escola (meu dia-dia).

O que eu nunca esperava talvez é que minha vida estaria tão ligada futuramente com o criador do que é um dos melhores perfumes já feitos pela Natura. Desde que eu voltei para as redes sociais em 2014 eu adicionei o Fábio Navarro no Facebook, mas meu contato e amizade com ele só floresceria alguns anos depois, em 2018, um ano inclusive que marcou muitas mudanças em minha vida. De certa maneira o meu contato, amizade e proximidade com o Fábio foi tão dual quanto o nome do perfume que ele concebeu para a Natura com tanta maestria.

Um dos momentos que ficaria marcado na minha memória como chave no relacionamento de amizade que pude construir com o Fábio foi quando tive a oportunidade de participar em um dos seus encontros perfumados. Nesse dia pude ver sua paixão e conhecimento pela perfumaria de uma maneira mais próxima e pude interagir e se aproximar ainda mais de meu amigo. E foi nesse encontro inclusive que surgiu a memória olfativa a qual eu passaria a associar o Fábio, o perfume L'Eau d'Issey Pour Homme. Assim como o Fábio esse é um dos perfumes aquáticos mais intrigantes já lançados: sua saída aquática pode parecer fresca, leve e parte das tendências porém ela esconde uma elegância amadeirada que é poderosa e ao mesmo tempo bem sensual pela maneira como as especiarias são trabalhadas. É um perfume cheio de facetas, complexo, diferente a cada ocasião e que te demanda intimidade para que seja de fato desvendado.

Aos poucos fui vendo em várias oportunidades o como meu amigo é justamente assim também. Por trás do gentleman e do profissional de perfumaria há uma pessoa complexa, interessante, equilibrada mas poderosa. E além de tudo uma pessoa muito talentosa e com bom gosto: ao conseguir novamente um frasco do Natura Due e descobrir que o criador foi o Fábio Navarro pude perceber o como em Due o Fábio fez um trabalho de elegância e de homenagem ao seu perfume favorito, trabalhando com nuances e contrastes presentes no L'Eau d'Issey Pour Homme de uma maneira minuciosa para que a similaridade sumisse e restasse no final uma essência dualística de sofisticação e agradabilidade. Meu amigo se colocou com maestria e intimidade em um perfume que ficaria para sempre na minha história e na de várias pessoas como um dos melhores perfumes já lançados pela perfumaria nacional.


Memória Olfativa - Bruna Perrella e Eau Des Merveilles

 


Quando você se torna apaixonado pela perfumaria e a vive com toda a intensidade essa paixão acaba transformando não apenas você mas também as pessoas que estão ao seu redor. E novas conexões e memórias acabam sendo criadas a partir desse processo.

Eau des merveilles foi um perfume que me encantou sem eu sequer ter sentido. O frasco e sua propaganda me cativaram e eu precisava conhecê-lo e ter em meu acervo. Mas o que eu nunca esperava ou imaginava é que ele se tornaria o perfume favorito da minha irmã e estaria para sempre associado com ela.

Nesse dia 9 de Setembro minha irmã fez aniversário e a cada ano que passa sua vida vai se transformando e se aprofundando como os perfumes mais marcantes costumam fazer conforme envelhecem. Ainda sim, minha irmã mantém o frescor, elegância e a leveza que são traduzidas muito bem no Eau des Merveilles. Sua elegância nunca foi forçada, é natural - ela não precisa ser gritante para que seja percebida. Sua personalidade é complexa e um perfume não é capaz de capturar isso. Ainda precisarei de outras memórias olfativas para trazer isso à tona inclusive.

Mas nesse ano e nesse aniversário de vida dedico minha memória olfativa do Eau des Merveilles a uma irmã que para mim é maravilhosa. Como seres humanos que somos nossa relação nunca foi perfeita, mas com a minha irmã eu sempre tive uma relação de amor, de cumplicidade, de cuidado e até mesmo de carinho. Minha irmã é uma das mulheres mais talentosas, esforçadas e guerreiras que eu já vi em minha vida e sempre tive muita admiração por ela. Desde que ela conheceu e se apaixonou pelo Eau des Merveilles faço questão de garantir que ela tenha sempre um frasco para não estar sem seu perfume favorito. Eu acabo não usando muito ele mais por ser o perfume dela, mas toda vez que eu uso sempre me vem à tona a lembrança da irmã maravilhosa e que eu admiro e amo - mesmo que nem sempre eu seja capaz de demonstrar isso. Parabéns pelo seu niver maninha, que você fique a cada ano que passa mais maravilhosa!


Memória Olfativa - Débora Liliana Acqua Fresca

 


É interessante como algumas pessoas marcam a gente profundamente mesmo que passem pela nossa vida por um período tão curto de tempo. É como se naquele período houvesse uma conexão com aquela alma que se torna inesquecível, como a memória de um perfume que marca nossa existência.

Eu sempre tive um carinho muito grande pelo Acqua Fresca por conta da minha colega de classe Debora Liliana. Estudamos juntos no Mackenzie na segunda série do colégio e em geral eu sentava na cadeira atrás da Debora. Sempre exalava um perfume alegre, agradável e persistente de sua pessoa e um dia eu descobri que esse perfume era o clássico Aqua Fresca do Boticário.

Para mim o Acqua Fresca personifica perfeitamente minha colega de classe. Ainda que nunca tenha tido uma paixonite adolescente pela Débora, sempre a achei incrível. Na época uma garota incrível, hoje uma mulher incrível. Uma pessoa muito inteligente, estudiosa e esforçada mas ao mesmo tempo uma pessoa leve, divertida e descontraída. Uma elegância natural sempre fluiu da Debora, algo que para muitos é díficil de obter mas para outros é natural. Sua sofisticação, inteligência, alegria e elegância são atemporais, são tão clássicas quanto o perfume que marcou minha memória em relação a ela. São provas de que a qualidade genuína não depende de tendências, ela simplesmente resiste ao tempo, intocável.

Memória Olfativa - À Mestra Ane Walsh, Floresta Negra

 


O processo de criação de um perfume pode ser algo padronizado dentro da indústria, como um projeto com seus requisitos, equipe envolvida e vários testes até chegar ao resultado final. Mas a criação também pode ser algo mágico e artístico, fruto de ideias que surgem em momentos de ócio e que ganham forma nas mãos habilidosas de um artista.

A ideia para a criação de um perfume surgiu a partir do comentário de uma amiga que eu tinha na época, Simone, que ao provar o perfume L'Heure Defendue da Cartier disse que ele remetia ao aroma de bolo floresta negra da Ofner. Um dia enquanto pendurava roupas no varal me peguei pensando no conceito de um perfume. E se fosse possível fazer um conceito que brinca com a ideia do Floresta Negra? Um perfume onde o aroma de cacau amargo e a doçura das amêndoas nos conduz para dentro de uma floresta mágica e densa de diversas madeiras?

Eu tinha a ideia, mas não tinha os talentos como perfumista para executá-la. E aí entra minha amiga Ane Walsh, professora de perfumaria natural, conhecedora de sintéticos e uma grande mestra na arte da perfumaria. Sempre me senti abençoado e sortudo com o feminino e sempre admirei o como o processo de criação e criatividade flui de maneira natural com a mulher. Para mim, colaborar com a Ane Walsh foi suave, com ela sendo capaz de levar minhas ideias a um nível de detalhes e riqueza que eu mesmo não esperava.

Como uma maga dos aromas, minha amiga Ane me deu o aroma da minha floresta negra - uma cereja suculenta, um toque de açúcar e a quantidade certa de cacau amargo. O perfume entregue trouxe a profundidade das madeiras da minha misteriosa e mágica floresta, sendo capaz de unificar o gourmand com o amadeirado, resinoso e oriental. O Resultado foi mágico e fantástico, algo que só acontece quando uma ideia criativa é entregue nas mãos de uma pessoa habilidosa e uma amizade e conexão profundas resultam disso. É um privilégio ter esse momento na minha jornada perfumista com uma mestra artesã que tanto conhece e que é capaz de trabalhar muito bem com boas ideias. Sou eternamente grato à minha amiga Ane e considero uma honra poder ter sido seu seu aluno e colaborador.

Memória Olfativa - Marco Antônio e Bond No 9 Chinatown

 

Outra pessoa muito importante na minha vida e que a muito tempo eu desejo homenagear é uma das pessoas que mais amei nessa vida, Marco Antônio. Ele não foi meu primeiro amor - sempre fui propício a amar, tive minhas paixões desde que eu era criança. Mas não houve um amor que foi um divisor de águas e que deixou um vazio tão grande ao ir embora quanto o Marco Antônio.

Eu conheci o Marco em uma época importante da minha vida - meu pai tinha falecido a poucos meses, eu tinha entrado a pouco tempo na faculdade e estava começando minha vida no mercado de trabalho. Nos conhecemos a distância, por meio do orkut e por uma paixão em comum, a perfumaria. Mas nunca imaginava que o que começaria como uma amizade se transformaria em algo tão intenso e diferente do que eu já tinha vivido.

Eu nunca falei sobre meu amor pelo Marco Antônio pelo simples fato de eu ter vindo de um meio conservador e não ser uma pessoa que se revolta em relação às regras - eu tinha medo da rejeição, medo de ser punido ao me expor pelo que eu era. Mas ainda assim o Marco sempre me aceitou com as minhas limitações, e até mesmo com as minhas imaturidades de um rapaz que aos 18 anos ainda pouco conhece da vida.

Nós praticamente nos falavamos todos os dias, não aguentávamos ficar longe um do outro. E sempre que podia o meu amor vinha para São Paulo me ver. E uma dessas memórias está justamente associada ao perfume Chinatown - um presente que uma vez ganhei dele e um dos perfumes que usei em um dos dias mais felizes que passei com ele. Preservo o frasco que tenho e pouco uso para preservar essa memória especial de alguém que foi tão influente. O Marco me influenciou na minha paixão pela perfumaria, me abriu os olhos para os clássicos, me ensinou a me aventurar para ir atrás do que eu queria sem ter que pagar um absurdo. E é graças a influência dele que a Guerlain se tornou um dos meus maiores amores da minha vida.

A morte do Marco foi uma das reviravoltas duras da minha vida adulta. No dia que ele se foi uma parte minha foi junto e por mais que eu tenha seguido em frente eu nunca o esqueci ou o deixei de amar. Assim como um perfume descontinuado o meu amor e minha memória permanecem. Mesmo que ele não esteja mais fisicamente comigo o amor, as emoções e o carinho de tudo que foi bom especial e transformador na minha vida permanecem junto ao perfume.


Memória Olfativa - Natura Horus e Ronaldo Eber


Em Julho desse ano completaram 16 anos do evento divisor de águas da minha vida, o que me levou de um dia para a noite para a vida adulta. Foi quando meu pai faleceu em um acidente de carro e de repente nada mais foi o mesmo. Eu venho refletindo sobre esse evento a muito tempo, pensando inclusive em transformar minha memória olfativa de um dia sem cheiro mas marcado de tantos aromas. Mas resolvi em vez de celebrar a morte celebrar a vida e fazer dessa memória olfativa uma homenagem ao meu pai.

Ronaldo Eber de Oliveira Brito foi um homem muito inteligente e estudioso. Formou-se como químico, atuou durante muitos anos como analista de qualidade de água e depois de alguns anos sentiu o chamado de Deus e foi ser pastor presbiteriano. Mas diferente de muitos dos quais atuam ele realmente tinha a vocação: estudava por horas, debruçava-se sobre livros raros, buscava o conhecimento. Aprendeu até sozinho a ler em hebraico.

Mas ainda que fosse um homem muito estudioso meu pai era simples, zeloso com as pessoas de sua Igreja, sem fazer nenhuma discriminação entre ricos e pobres. Meu pai era um gestor eficiente também, focado em fazer o melhor na obra de Deus e se necessário colocava até parte de seus ganhos como químico para ver a Igreja funcionar. Ele fazia tudo que fazia por amor, vocação e princípios, os quais sempre foram muito fortes.

É claro que meu pai tem seus defeitos, eu quando criança e adolescente não os via e não o entendia. Nunca fomos muito próximos, mas somos muito parecidos em algumas coisas. Principalmente no fato de nos fecharmos quando sentimos emoções muito fortes. Mas ainda que nosso relacionamento não tenha sido perfeito eu amo e sou muito grato pelo pai que eu tive. Foi um homem verdadeiramente de fé e de Deus, não de uma fé política e superficial, e sim uma realmente comprometida com o estudo e a verdade.

Infelizmente meu pai faleceu quando estáva ainda no começo da minha jornada olfativa, o que não me permitiu ajudá-lo a conhecer mais sobre a perfumaria. Mas ele gopstava de perfumes, usava os que ganhava. Deles me lembro de quando ele teve o Natura Horus, do qual as vezes eu roubava antes de ir para o culto rs Me lembro do Horus como um aroma fougere com nuances de couro e especiarias, algo robusto como a autoridade de um pai mas ainda sim sem ser pesado, como o abraço de um. Te amo pai, muito obrigado pelo exemplo que você foi, pelos esforços que você fez pela gente e por ter me aberto portas de estudo que me permitiram ser quem eu sou hoje.


Memória Olfativa - Fellipe Russo e Eau de Sauvegy

 


Quando reflito a respeito das memórias olfativas e da perfumaria em si observo o como são dois assuntos com um alto grau de subjetividade, e propensos à mudanças de percepção ao longo do tempo. Já compartilhei em outra memória olfativa o como minha percepção da perfumaria de contratipos foi afetada pela entrada na minha vida de uma pessoa que eu admiro e amo. Hoje é a vez de dedicar mais uma memória à outra pessoa que mudou de vez minha percepção sobre esse mundo.

Conheci o Fellipe Russo de uma maneira inesperada, em um evento no qual ele e eu fomos convidados. Apenas conhecia de nome a In The Box e sabia que estava em alta nas comunidades de perfumes no facebook. Mas não conhecia a pessoa por trás da marca e inclusive ao conhecer o Fellipe não soube imediatamente que ele era o criador da In The Box. Mas percebi imediatamente uma pessoa criativa, descontraída, divertida e muito generosa.

Esse aspecto caloroso e descontraído do Fellipe levou a um convite para que eu fosse conhecer seu escritório e conversar mais com ele. Nesse dia fui recebido como uma pessoa importante e me senti especial. Vi no Fellipe um apaixonado pela perfumaria, seja ela comercial ou de nicho, e soube mais sobre sua história e desafios. Mas o que mais me chamou a atenção mesmo foi o brilho nos olhos do meu novo amigo ao me mostrar com tanto amor e cuidado o trabalho que ele fazia.

Um dos primeiros perfumes que ele me mostrou foi o Eau de Sauvegy, uma fragrância especial para ele e que foi criada inspirado no Eau Sauvage. Quando senti Eau de Sauvage soube imediatamente que estava diante de algo diferente do que minhas crenças tinham a respeito da perfumaria de contratipos. Vi um dos clássicos da perfumaria ser honrado numa altíssima qualidade de ingredientes e com um cuidado em balancear uma fórmula para que não apenas ela mantesse a semelhança mas também trouxesse a performance esperada para uma concentração maior.

E foi nesse tabalho também que vi justamente a generosidade e o aspecto único do Fellipe, uma pessoa criativa disposta a seguir as regras do mercado e ao mesmo tempo a transformá-las de acordo com a sua visão de mundo. Não é isso que no final das contas é a perfumaria? Há coisas que somente enxergamos quando vivenciamos e que transformam nossa percepção de mundo. Ter conhecido o Fellipe, sua pessoa generosa e seu trabalho dedicado certamente transformaram para sempre a visão que eu tinha a respeito da perfumaria, e para melhor, e sou muito grato por essa amizade tão especial que me foi dada de presente.


Memória Olfativa - Mário Torri e Thera Cosméticos Lotus

 


As pessoas assim como os perfumes não apenas criam para nós memórias olfativas mas também contam narrativas que muitas vezes levam à essas memórias inesquecíveis. E elas podem brotar de onde menos esperarmos, até mesmo de algo que podemos a princípio enxergar com preconceito.

Eu conheci o Mário Torri pelo facebook, participando de grupos de perfumaria. A princípio tivemos algumas interações em tópicos de discussão que me mostraram no Mário uma pessoa com um conhecimento técnico profundo e difícil de ser facilmente encontrado. Isso despertou minha curiosidade para conhecê-lo mais e começarmos uma amizade.

Tive chance de sentir primeiramente uma de suas fragrâncias autorais, o perfume Nise, e ver uma fragrância muito bem construída. Mas a chance mesmo de conhecer o Mário pessoalmente se deu em belo evento que foi organizado pelo Itálo Pereira e pela Vanessa Brandão. Nesse dia era meu aniversário, eu não podia ficar até tarde por isso apenas tive uma chance de dar um abraço no meu amigo e conversarmos rapidamente. E o Mário esse dia usava uma fragrância masculina muito elegante, com um rastro suave mais perceptível. Era o perfume Lótus, sua versão para o sucesso Aventus.

Depois desse dia marcamos um café para conversarmos e pude então de fato conhecer o Mário de verdade: antes é como se eu apenas tivesse "sentido" ele na fita olfativa e agora o observava plenamente "na pele". Vi em meu amigo uma pessoa humilde, batalhadora, uma pessoa que tinha passado por diversas lutas na vida e que mesmo nas maiores dificuldades conseguiu se reerguer. Vi em meu amigo Mário um grande amor pelo que ele fazia, um carinho e uma preocupação em trazer uma perfumaria acessível a todos e com a melhor qualidade que ele poderia entregar. Vi que isso ia além de um negócio, que tinha um propósito de trazer um pouco de alegria no formato de perfume para as pessoas, mesmo que elas não tivessem muito para investir nisso.

O Mário foi uma das pessoas que me fez olhar a perfumaria de contratipos com outros olhos. Eu tinha preconceitos em relação a esse setor, como muitas pessoas tem. Mas ao conhecer melhor a Thera e ao conhecer o Mário eu vi uma honestidade, pureza e compromisso com a perfumaria que não é diferente de uma perfumaria autoral, de nicho, artesanal ou exclusiva. Vi uma paixão e uma dedicação no que era feito que é algo nobre e muito lindo de se ver. E vi um amigo tão especial que seria impossível não ficar encantado e não ter uma memória dedicada a esse amigo que me fez ver o mundo da perfumaria com outros olhos.


Memória Olfativa - Silvana Perrella e Shalimar Cologne

 


No dia de hoje (1 de março 2022) minha mãe faz aniversário e me vi inspirado a dar de presente para ela um texto especial, mais uma memória olfativa da qual ela é protagonista. Certamente a criatividade e o prazer pela escrita eu herdei dela com suas belas poesias e histórias infantis criativas.

Shalimar Cologne me faz de certa maneira pensar em um elo infantil com a minha mãe. Não é uma memória de criança que eu tenho, visto que minha mãe passou a apreciar o Shalimar quando dei a versão Cologne para ela em um momento que eu já era adulto e colecionador de perfumes. Mas há algo na maneira como esse perfume emana na pele da minha mãe que me traz justamente o aconchego e amor.

É uma versão diferente do amor que a narrativa de Shalimar propõe mas não deixa de ser um dos amores mais puros e resistentes que existem - o amor do filho pela sua mãe e vice-versa. É conhecido que a baunilha é muito apreciada visto que seu químico aromático vanilina remete a memórias inconscientes do aleitamento materno. Na versão Cologne a lavanda do Shalimar também se comporta na pele de minha mãe como um aroma de lavanda infantil, algo aconchegante, inocente e tenro.

Minha mãe é de Peixes e certamente esse amor tenro, inocente e aconchegante representa uma de suas inúmeras facetas. Nesse momento eu me encontro já com 34 anos e minha querida mãe já está em seus 61 anos. Mas ao pensar e sentir Shalimar Cologne ainda me sinto como um pequeno menino acolhido pelo amor de sua mãe.


Memória Olfativa - Fernanda Glazer e Miss Dior 2017

 


Ao longo dos anos a perfumaria tem sido para mim uma agradável fonte de novas amizades e conexões. Talvez a princípio não pareça mas eu sou introvertido, receoso de não pertencer a um grupo de pessoas do jeito que eu sou. Com minha paixão pelos perfumes isso me abriu um mundo de amizades onde eu conseguia me encaixar do jeito que eu sou.

Em uma dessas oportunidades, num curso olfativo promovido pelo amigo Fábio Navarro foi que tive chance de conhecer a Fernanda Glazer. Minha primeira impressão da Nanda foi de um jeito meigo, delicado e um pouco introvertido, o que gerou uma empatia imediata logo de cara e foi o prenúncio para uma amizade que floresceria de maneira bela ao longo dos anos.

Me vi identificado não apenas na perfumaria mas de alma com a minha amiga Fernanda, aceito com minhas peculiaridades e até mesmo com uma história compartilhada de sentimentos, interesses e paixão pelo estudo. Vimos um no outro almas felinas, com muitas emoções e carinho mas capazes de perservar com a distância e até mesmo apreciá-la.

Recentemente devido a um lindo evento da revista Olfato pude rever e abraçar minha querida amiga. No dia que a encontrei seu perfume me chamou a atenção com um aroma agradável, sedutor e alegre, perfeito para ela. Ao perguntar para ela qual era esse delicioso perfume, para minha surpresa (ou não) minha amiga estava usando o seu favorito, Miss Dior 2017. Essa fragrância captura perfeitamente a força, inteligência, sensualidade e mistérios da minha amada e especial amiga que a perfumaria me trouxe. Esse perfume, então, passou nas minhas memórias a ser a essência da minha outra metade amiga felina.

Memória Olfativa - Dunhill Desire Red

 

Essa é uma memória olfativa sem uma foto específica para ela. E também não é uma memória olfativa de um grande momento de minha vida, nem de um amigo querido ou pessoa importante na minha jornada. Mas ela representa algo que muitas vezes perdi ao longo desses anos e que é extremamente valioso: a alegria pura e simples que podemos sentir nos pequenos prazeres da vida.

No meu caso, essa alegria vem da misteriosa felicidade líquida existente dentro dos frascos de perfumes. Dos perfumes onde menos esperamos, nos momentos onde menos esperamos. Como é o caso de Desire Red, de Alfred Dunhill. O conheci em torno dos meus 19-20 anos, quando estava na faculdade e tinha começado o meu primeiro estágio. Recebi uma amostra generosa de um amigo e um dia ao sair do estágio resolvi aplicar ele na pele e sentir seu cheiro enquanto caminhava em direção à estação.

E me lembro até hoje de quão agradável era esse aroma que em vez de me despertar o lado carnal me fez sentir um júbilo quotidiano inesperado. Um frescor frutal alegre, um pouquinho de flores, uma maciez amadeirada gourmand. Um aroma do qual especulo as nuances mas que me lembro mesmo como ensolarado, agradável e feliz. Uma felicidade simples presente num momento corriqueiro e que ficaria como uma memória olfativa preciosa para mim até hoje. Uma memória olfativa sem muitas palavras, sem muitas nuances, mas com um sentimento tão intenso que sou capaz de revive-lo ao pensar nele.

Momentos assim simplesmente surgem, quando menos esperamos, nos locais (e frascos) onde sequer imaginaríamos. De fato são momentos cobiçados, mas que podem até mesmo passar batidos quando não estamos mais presentes para apreciar o que temos no momento presente. Os melhores perfumes não estão, como diriam, nos menores frascos, e sim nos momentos onde somos capazes de aproveitá-los de maneira pura e simples. Mesmo que seja no final de um dia de trabalho indo para a estação de trem a caminho da faculdade.


Memória Olfativa - Átila e Lolita Au Masculin

 


Alguns amigos criam para mim associações imediatas do ponto de vista olfativo, com memórias que são fáceis de serem acessadas, escritas e transformadas em palavras que carregam o bom perfume dessas relações. O caso do meu amigo Átila é talvez um dos mais complexos de se escolher uma única memória ou associação devido a sua personalidade marcante e única.

Como um bom exemplo de um Geminiano meu amigo Átila teve diversas faces, fases e identidades perfumadas ao longo da vida. Como uma extravagante pássaro a mudar suas plumas a cada estação eu me lembro disso desde o início da nossa amizade. Eu tinha acabado de sair da fase adolescente e entrar na fase adulta e me via fascinado e curioso pela sua pessoa extravagante e interessante.

Refletindo um pouco a respeito de qual memória olfativa me faria pensar no meu amigo Átila me vi fixo em um perfume, Lolita Lempicka Au Masculin. E o interessante é que ao pesquisar um pouquinho sobre uma de suas protagonistas olfativas descobri que ela tinha muito a ver com meu amigo. Au Masculin possui um uso inusitado na perfumaria comercial do alcaçuz, erva cujo o simbolismo está justamente associado a Mercúrio, regente de Gêmeos.

Au Masculin traduz para mim as diferentes facetas que sempre admirei e que me conquistaram no Átila desde o início de nossa amizade. É um perfume único, que escolhe uma exuberância e sensualidade para um perfume masculino que é rara de se ver, quase como se fosse um crime para um homem ser assim. Entretanto assim como meu amigo Au Masculin entrega uma sensualidade/sexualidade que é masculina, exuberante e que não está nem aí para os padrões impostos do aroma que um homem deve ter.

Ao mesmo tempo esse não é um perfume desafiador apenas por ser, ou até mesmo algo barulhento e vazio. Há uma cuidadosa construção que trabalha em aspectos dualísticos ao longo de sua evolução: ervas amargas em contraste com a doçura da baunilha e praline, a exuberância de especiarias em contraste com um aroma discreto e aveludado das madeiras e do âmbar. Exuberante e ao mesmo tempo introspectivo, sexual e ao mesmo tempo espiritual, intenso e ao mesmo tempo discreto Au masculin é fascinante justamente pelas diversas facetas, algo que exige tempo, intimidade e paciência para ser descoberto. E algo que os meus anos de amizade também revelaram em relação a um dos amigos que foi uma grande influência na minha paixão pela perfumaria.

Memória Olfativa - Carol Polônio e Micallef Note Vanille

 


Em 2022 talvez a perfumaria de nicho possa não estar com um preço acessível no Brasil mas ela nunca esteve tão acessível - seja por importação direta ou indireta o consumidor hoje tem acesso a um mundo de possibilidades, sejam elas mais criativas ou menos. Em meados de 2007 o cenário era diferente, sendo praticamente inexistente a perfumaria de nicho oficialmente no Brasil.

O que eu pude conhecer e ter acesso naquela época foi graças a generosidade de muitas amizades que fiz no orkut. Tínhamos um espírito de compartilhar nossas experiências, impressões e até mesmo acesso aos mais diferentes perfumes existentes. E foi por meio dessa comunidade acolhedora e apaixonada por perfumes que conheci a Carol Polonio, uma amiga querida e especial até hoje.

Note Vanille represente bem minha amiga por ser um perfume de nicho capaz de trazer o conforto e acolhimento dos perfumes gourmands com algo sofisticado. A Carol sempre foi fã de perfumes gourmands, uma verdadeira formiguinha. Mas essa formiguinha não se contentou apenas com o açúcar, quis explorar novos territórios gourmands da então terra a ser explorada que era a perfumaria de nicho.

Foi por meio de minha amiga que conheci muitas coisas interessantes e das quais geraram vários encontros, várias conversas, várias trocas e uma amizade de longa data. A fração que tenho do Note Vanille hoje pode até não ser mais tão fresca de quando fiz a troca com minha amiga, porém seu aroma licoroso e aconchegante de baunilha resistiu ao tempo da mesma maneira que nossa amizade, mantendo-se doce, equilibrado e até mais maduro. O tempo agiu nesse caso para preservar a essência e deixar que tanto o perfume como nós dois envelhecêssemos sem perder a doçura e harmonia.


Memória Olfativa - Louise Garcez e Eau de Lalique

 


Algumas amizades funcionam de maneira similar a algumas memórias olfativas que temos. É difícil lembrar quando elas começaram, pois fluem de uma maneira tão natural e generosa que é como se sempre estivessem existido, como se fizessem parte da nossa existência. É como um perfume que amamos tanto que parece que seu cheiro sempre esteve conosco.

Conheci a Louise no Orkut, bem nos primeiros anos da minha paixão pela perfumaria. Sempre trocávamos mensagens e conversávamos sobre esse assunto que tanto nos fascina e faz parte das nossas vidas. Até que um dia resolvemos fazer uma troca de frações e amostras dos perfumes que tínhamos e que o outro desejava conhecer.

Foi nessa oportunidade que pude conhecer o Eau de Lalique com uma fração super generosa da minha amiga. Até hoje guardo essa fração com carinho, uso-a às vezes e pensei que Eau de Lalique seria um perfume perfeito para representar minha amiga. Seu aroma investe no que é atemporal, na ideia do frescor e leveza de uma cologne. Ao mesmo tempo temos um aroma sofisticado, único que combina detalhes de especiarias, ervas frescas, madeiras e resinas para cria uma aura confortável e aconchegante. Eau de Lalique me parece um equilíbrio perfeito entre harmonia, leveza e personalidade, algo que sempre vi em minha amiga Louise e que ao longo dos anos fui cada vez mais admirando nela. Minha amiga Louise é distinta e leve da mesma maneira que Eau de Lalique, algo que parece simples mas não é nada fácil.


Memória Olfativa - Avon ClassAct

 


A perfumaria me levou por um caminho que eu não imaginava trilhar, me trouxe amizades, me levou a conhecer pessoas e até mesmo a ver o quanto eu tinha e ainda tenho a aprender com elas, especialmente na parte de socializar, que nunca foi meu forte. Mas tudo isso começou na perfumaria e começou de maneira humilde, com um perfume da Avon.

Avon fez parte da minha infância, pois sempre gostei de olhar os catálogos da marca. Eu nunca passei necessidades, mas não tive uma vida de luxo, meu pai tinha o suficiente para nos dar alimentação, casa, saúde e uma boa educação. Para mim os produtos da Avon eram um luxo e eu gostava de passar o tempo folheando os catálogos. Às vezes até me imaginava rico comprando todos os produtos do catálogo (risos)

Quando comecei a me tornar adolescente comecei a desenvolver meu lado vaidoso e uma necessidade maior de me cuidar. Nesse momento foi que me dei conta que precisava ter um perfume mais sofisticado, algo que não fosse uma lavanda ou uma água perfumada leve. Eu não tinha muito dinheiro, tinha uma pequena mesada na época. Por isso me voltei para os perfumes da Avon para satisfazer essa necessidade.

Class Act foi o primeiro perfume que comprei com o meu dinheiro e é uma escolha curiosa para um adolescente, já que é um perfume que fica entre o chypre e o amadeirado. Eu não entendia nada dessas coisas na época, me guiava apenas pelos meus sentidos: se eu gostava, eu comprava. Nunca pensei muito em rótulos, se um perfume era maduro ou jovem para mim. Mas Class Act certamente é um perfume mais adulto para um adolescente, mas eu gostava do aroma cítrico e amadeirado que ele tinha. Era algo sofisticado, elegante, o frasco era bonito para mim e tinha um preço que eu podia pagar. Não me atrevo a descrever ele de cabeça, pois minha memória nesse caso é mais afetiva do que olfativa. Pode não ser o melhor perfume, mas foi o meu pontapé e vejo que foi uma escolha elegante para um adolescente que mal sabia o que estava fazendo e o que estava começando.

Memória Olfativa - Sanah Aziz e Coco Mademoiselle


Quando comecei a minha jornada pela perfumaria, eu não tinha noção das portas que me seriam abertas. Muitas vezes quando olho para o passado vejo que o menor que a perfumaria me trouxe foram as fragrâncias e uma paixão que moveria minha vida. A perfumaria me trouxe algo muito mais valioso, amizades que eu levaria para a vida toda.

Uma dessas amizades eu fiz ainda quando tinha meus 17 anos e estava entrando nesse mundo. Quando fiz meu orkut e quando resolvi abrir uma comunidade de perfumaria o interesse por esse mundo e a paixão começaram a me aproximar das pessoas. E conheci uma das pessoas mais generosas e gentis da minha vida, Sanah Aziz.

Eu era apenas um garoto de 17 anos descobrindo o mundo pela perfumaria e a minha amiga Sanah era uma mulher de negócios apaixonada pela perfumaria e dedicada ao que fazia. A Sanah na época era dona da perfumaria Free Itália e nossa amizade nunca foram dependentes disso, sempre foi algo genuíno que nasceu pela paixão de ambos pelos perfumes.

Minha amiga Sanah sempre foi uma mulher alegre, generosa e inteligente. Seu perfume favorito foi durante anos a Coco Mademoiselle e quando tive chance de conhecê-la pessoalmente em Curitiba era essa a fragrância que ela estava usando. Para mim Coco Mademoiselle é como a minha amiga é: um perfume que é poderoso em sua essência mas ao mesmo tempo luminoso e com um certo ar alegre e sensual. Não uma sensualidade que esteja voltada a conquista, e sim uma sensualidade que se traduz em essência vital. Eu e minha amiga Sanah já passamos por muitas coisas nesses anos, até mesmo momentos onde estivemos distantes um do outro devido aos desafios que a vida nos traz. Entretanto o amor pela perfumaria e a amizade sincera de dois amigos que são como irmãos continua a existir. Sanah, muito obrigado por tudo, por estar ao meu lado sempre que precisei e pelo carinho enorme que não caberia em palavras. Você sempre estará no meu coração e sempre lembrarei de você quando pensar no Coco Mademoiselle.

Memória Olfativa - Cassiano Silva Zino

 


Alguns perfumes criam uma estrutura olfativa tão impactante e uma imagem tão bem executada que ao serem sentidos é criado uma memória olfativa marcante ao redor dele. O mesmo acontece com algumas pessoas, com histórias e vidas tão intensas que não esquecemos delas e até possível criar uma memória olfativa para elas mesmo que não tenhamos vivido aquele momento e perfume com aquela pessoa.

Eu conheci virtualmente o Cassiano no começo da minha jornada de perfumaria, nos grupos do orkut. Compartilhávamos essa grande paixão e essa foi uma época onde muito se aprendia e compartilhava por meio dessa grande novidade que eram as redes sociais. Elas aproximavam pessoas distantes fisicamente, criavam contatos que de outra forma seriam impossíveis e permitiam a aproximação ao redor de paixões em comum e até mesmo a troca de experiências e amostras devido a essas paixões.

Quando o Cassiano veio morar em São Paulo tive a chance de enfim conhecê-lo pessoalmente e de me aproximar de um conhecido de longa data. E tive a chance de conhecer mais de sua história quando pude conhecer sua coleção. De todos os perfumes que ele me mostrou, um ficou associado a ele para sempre: Davidoff Zino.

Zino Davidoff é uma fragrância clássica de 1988 e que por muito tempo não foi muito falada, mas se minha memória não me prega peças foi um perfume importante para o Cassiano, um perfume que marcou sua vida pessoal, um momento onde meu amigo teve acesso a algo clássico e de altíssima qualidade e isso se tornou parte de quem ele era. Seu aroma reflete bem a natureza refinada e multifacetada do Cassiano e sua riqueza de conhecimento na perfumaria, com madeiras e elementos orientais em contraste com uma sensualidade floral velada, uma delicadeza quase que não admitida. Toda vez que penso em Zino me sinto como se entrando nessa memória, nesse momento de conquista e classe, mesmo que ele nunca tenha sido meu. E foi o perfume que tornou físico e corpóreo o que por muitos anos existiu de maneira abstrata apenas pelas redes sociais.

Memória Olfativa - Rodrigo Bulgarelli Le Labo Oud 27

 


O olfato é um sentido que para mim funciona de maneiras misteriosas e transformadoras. As vezes um perfume, um cheiro ou um aroma tem a capacidade de mudar nossa percepção em relação a uma situação, ambiente ou pessoas. Porém muitas vezes o que acontece é justamente o contrário, uma pessoa muda para sempre nossa percepção olfativa ao criar uma lembrança especial que conecte fragrância e pessoa.

Poucos perfumes me causaram uma sensação de grande desconforto como Le Labo Oud 27 me causou. Há muitos anos quando o senti seu cheiro animálico e potente não me agradou nem um pouco e para meu infortúnio seu desempenho era, obviamente, estelar. Usei meu decant para fazer uma avaliação dele e depois nunca mais o usei.

Porém, alguns anos depois por meio de uma conversa no facebook do Daniel Barros acabei conhecendo o Rodrigo Bulgarelli e foi justamente por meio de uma conversa sobre Le Labo. O entusiasmo que o Rodrigo sentia pelo perfume ficou impregnado na minha memória e por mais que eu discordasse dele a respeito disso o perfume que eu odiava eu deixei de odiar no momento que o associei com uma pessoa que com o tempo eu passaria a amar.

Minha amizade com o Rodrigo foi plantada aquele dia, porém como um perfume onde a riqueza está nas notas de fundo ela demorou um tempo para que de fato tivesse, digamos, um intenso rastro doce e agradável que se espalha pelo ambiente. O Rodrigo para mim é uma pessoa única: ao mesmo tempo que irradia alegria, calor, amor e positividade também é uma pessoa que me faz pensar, que sempre tem um ponto de vista diferente, que sempre está trazendo algo único. Nunca veremos o mundo da mesma maneira, mas isso é algo que apenas tornou nosso laço mais único com o passar dos tempos. Por ser uma pessoa tão eclética e distinta é difícil associar um cheiro com o meu amigo Rodrigo mas a memória do Oud 27 sempre me fará pensar numa amizade e amor que surgiu da onde eu menos esperava.              

Memórias Olfativas Dior Homme - Henrique Perrella

 


Hoje completo 34 anos de vida e para celebrar esse momento escolhi uma memória olfativa que me é preciosa e que diz muito de mim. Dior Homme não foi meu primeiro perfume importado nem o perfume que me colocou definitivamente na perfumaria com a paixão e dedicação que tenho hoje. Ainda sim é uma das minhas fragrâncias prediletas pelo que ele é capaz de simbolizar para mim, principalmente na minha transição para a vida adulta.

A primeira formulação foi criada em 2005, época que eu tinha 18 anos e estava nos meus primeiros passos na minha jornada de paixão e entendimento do mundo dos perfumes. Na época eu era fascinado pelas marcas e um lançamento da Dior certamente me chamou a atenção. Havia algo naquele frasco simples, elegante e robusto que muito me atraia mesmo sem eu sentir seu cheiro.

Pela generosidade de uma querida amiga (Sanah), ganhei uma amostra e posteriormente um travel de 5ml de um perfume que se tornaria amor a primeira cheirada. Principalmente pois eu consegui me ver em Dior Homme como eu dificilmente me via em muitos dos perfumes masculinos.

Desde criança eu tive conflitos com a aceitação da minha imagem. Eu fui uma criança gordinha, estudiosa e até certo ponto tímida. Conforme fui crescendo eu tinha uma sensação de estranheza, como se faltasse algo em mim como homem, principalmente em comparação com outros homens. E isso inconscientemente se refletia e se reflete nos meus gostos na perfumaria: fougeres sempre trouxeram para mim uma brutalidade ou uma aspereza com a qual nunca me identifiquei. Aquáticos me pareciam superficiais e eu não me identificava com isso. Orientais, especiados e amadeirados eram na época os estilos aos quais meu eu introvertido gravitava naturalmente.

Mas em Dior Homme eu encontrei algo que até aquele momento não tinha encontrado ainda na perfumaria: um aroma que traduzisse uma masculinidade menos esteriotipada e mais dualista. Seu aroma consegue ter uma certeza delicadeza com a iris ao mesmo tempo que traz uma base amadeirada robusta, típicamente masculina.

Há um frescor devido a lavanda, mas essa é tratada com nobreza, sem esteriótipos de frescor, uma lavanda profunda e complexa. O aroma de Dior Homme consegue ser masculino e feminino ao mesmo tempo, melancólico e serene, simples e complexo. Um perfume que transista entre as dualidades e rompe com os extremos delas. E finalmente um perfume onde eu me enxergava.

Habit Rouge Extrait and Steven Verstraete - Memória Olfativa/Olfactive Memory

 


Portuguese:

Uma coisa curiosa sobre memórias olfativas é que elas podem ter uma gama complexa de emoções e sentimentos. Ainda que na memória anterior eu tenha relatado o como Habit Rouge se tornou um perfume que me remete a um momento difícil de minha vida um evento fez com que ele se tornasse um perfume que me faz pensar e celebrar a amizade e o amor.

Tudo isso começou em torno de 2012 na busca de uma relíquia para a minha coleção Guerlain: a versão extrato do perfume Habit Rouge. Tal versão foi feita em 2008 em tiragem limitada e vendida apenas em algumas lojas. Poucos frascos haviam restado dela ao redor do mundo, mas para a minha sorte havia um deles numa loja na Bélgica chamada Place Vendôme. E o vendedor dessa loja, Steven Verstraete, foi super amável comigo e topou me enviar minha cobiçada relíquia.

A partir desse momento nasceria uma amizade de muitos anos, uma amizade que estava permeada pela perfumaria mas que nunca dependeria dela somente. Steven tornou-se uma pessoa por quem desenvolvi grande amor e carinho e que eu desejava muito conhecer,algo que eu teria chance de concretizar com a vida dele ao Rio de Janeiro.

Foi nessa vinda que meu amigo Steven usou todos os dias o perfume Habit Rouge e a partir daí passei para sempre a associar essa fragrância com uma das pessoas mais incríveis, generosas e gentis que já conheci na minha vida. De certa forma o tema de amor da Guerlain se concretizou em maneiras que eu nunca esperava: a perda do amor paterno, o amor que una uma família de luto, o amor pela perfumaria, o amor que nos leva a amadurecer e o amor que me foi dado de graça em forma de amizade.

English:

One curious thing about olfactory memories is that they can have a complex range of emotions and feelings. Although in my previous memory I shared how Habit Rouge became a perfume that reminds me of a difficult moment in my life, an event made it become a perfume that makes me think and celebrate friendship and love.

All this started around 2012 in search of a relic for my Guerlain collection: the extract version of Habit Rouge perfume. Such version was made in 2008 in limited edition and sold only in some stores. There were few bottles left of it around the world, but luckily for me there was one in a shop in Belgium called Place Vendôme. And the seller of this store, Steven Verstraete (@stvnvrstrt ), was very kind to me and agreed to send me my coveted heirloom.

From that moment on, a friendship would be born for many years, a friendship that was permeated by perfumery but that would never depend on it alone. Steven became a person for whom I developed great love and affection and that I really wanted to meet, something that I would have a chance to achieve with his vacation to Rio de Janeiro.

It was during this trip that my friend Steven wore the Habit Rouge EDT every day and since then I have forever associated this fragrance with one of the most incredible, generous and kind people I have ever met in my life. In a way, Guerlain's love theme came to fruition in ways I never expected: the loss of paternal love, the love that unites a grieving family, the love of perfume, the love that makes us mature, and the love was given for free in the form of friendship.

1 de fev. de 2023

Joop What About Adam - Fragrance Review

 


Olfactive Family: Aromatic Woody

Launched in: 1992

Brand description: N/A

Notes:

Top notes are Tomato Leaf, Grapefruit, Mint, cassis leaf and Lemon; the heart notes are Lavender, Geranium, Sandalwood and Cedar; base notes are vanilla, oak moss, vetiver and labdanum.

Day or Night? Day

Better Station of the Year to wear: Summer

Longevity noticed: lasting

Sillage Notices: between soft and moderate

Technical review:

What about Adam is a perfume that focuses on the aromatic aspect of both its herbs and the citrus fruits used, creating a contrast with an elegant woody base and a light amber touch. In the opening we have a fresh and interesting herbal aroma due to the presence of tomato leaf, which reminds us of  galbanum here. The mint adds a slightly minty herbal that is accompanied by a slightly fruity herbal cassis leaf. Grapefruit and Sicilian lemon balance the leaves and give a citrus with a slight sweetness and acidity. Evolution presents a classic body of an aromatic perfume, flirting with fougere: very fresh lavender in contrast with a discreetly floral, green and minty geranium. As it evolves towards the base, a soft woody background is perceived, where the mineral aspect of vetiver and cedar gain body with a drier sandalwood. Vanilla and labdanum seem to suggest a slight amber and sweetness and round off the scent along with the soft presence of oak moss.

Personal Opinion:

What About Adam is one of those unknown perfumes from the 90's that delivers a fragrance way ahead of its time and very well composed. The perfumer is Calice Becker, which does not surprise me given the technical quality that is delivered. A perfume where Joop seems to step out of its extravagant comfort zone and explore other styles that are fresher and easier to wear. Yet here we have a perfume with a Joop touch of being, with an unusual combination at the time for a masculine perfume: tomato leaf, cassis leaves and mint. With the aquatic style dominating the 90's it's easy to see how this green, fresh and pleasant scent unfortunately went unnoticed. However, even today, if its aroma is well preserved, it is still very harmonious and pleasant, it is worth investing in a bottle.

Joop What About Adam - Avaliação do Perfume


Família Olfativa: Amadeirado Aromático

Lançado em: 1992

Descrição da marca:

N/D

Notas:

As notas de topo são Folha de Tomate, Toranja, Hortelã, Cássia e Limão verdadeiro ou siciliano; as notas de coração são Lavanda, Gerânio, Sândalo e Cedro; as notas de fundo são Baunilha, Musgo de Carvalho, Vetiver e Ládano.

Uso Diurno ou Noturno? Diurno

Quais Estações do ano se encaixa melhor: Verão

Longevidade percebida: duradouro

Rastro percebido: leve a moderado

Avaliação técnica da fragrância:

What about Adam é um perfume que foca no aspecto aromático tanto de suas ervas como das frutas cítricas utilizadas, criando um contraste com uma base amadeirada elegante e com um leve toque ambarado. Na saída temos um aroma herbal fresco e interessante devido a presença da folha de tomate, que remete a gálbano aqui. A hortelã acrescenta um herbal levemente mentolado que é acompanhado de um herbal levemente frutado da folha de cassis. A Toranja e o limão siciliano equilibram as folhas e dão um cítrico com uma leve doçura e acidez. A evolução apresenta um corpo clássico de um perfume aromático, flertando com o fougere: lavanda bem fresca em contraste com um gerânio discretamente floral, verde e mentolado. Conforme evolui para a base percebe-se um fundo amadeirado macio, onde o aspecto mineral do vetiver e do cedro ganham corpo com um sândalo mais seco. Baunilha e ládano parecem sugerir um leve aspecto ambarado e adocicado e arredondam o perfume junto com a presença macia do musgo de carvalho.

Opinião pessoal da fragrância:

What About Adam é um desses perfumes desconhecidos da década de 90 que entrega uma fragrância muito a frente de seu tempo e muito bem composta. A perfumista é a Calice Becker, o que não me surpreende dado a qualidade técnica que é entregue. Um perfume onde a Joop parece sair de sua zona de conforto extravagante e explorar outros estilos mais frescos e fáceis de usar. Ainda sim temos aqui um perfume com um toque Joop de ser, com uma combinação nada usual na época para um perfume masculino: folha de tomate, folhas de cassis e hortelã. Com o estilo aquático dominando a década de 90 é fácil ver como esse perfume verde, fresco e agradável infelizmente passou batido. Porém ainda hoje se bem conservado seu aroma continua muito harmonioso e agradável, vale a pena investir em um frasco.